domingo, 28 de junho de 2015

Carta de entidades da Educação em resposta a declarações de Viviane Senna em entrevista a Folha de São Paulo





A entrevista concedida por Viviane Senna à Folha de São Paulo e publicada na edição de 18 de junho de 2015, usando como título a última frase da entrevistada, “A educação trabalha com achismos, enquanto temos uma quantidade imensa de ciência à disposição” causou indignação no meio educacional brasileiro.
Ao longo de toda a entrevista, o jornalista induz respostas elogiosas à iniciativa privada, à mensuração da disciplina como qualidade importante (tratada como habilidade sócio-emocional ou pré-cognitiva nos documentos das políticas educacionais atuais) e ao trabalho do Instituto, o que compromete a credibilidade necessária ao jornalismo efetivamente preocupado com a ciência.
Ainda no caput, diz ele: "um estudo do instituto mostrou que qualidades como dedicação e foco têm quase o dobro do impacto no desempenho escolar comparadas com fatores como cor, gênero ou ambiente familiar". Em seguida, traz a afirmação da entrevistada, de que: "Há muitos estudos à disposição sobre como o aprendizado se dá, mas pouco é utilizado". 
Uma das perguntas aponta a consciência superior da iniciativa privada a respeito da importância da "ciência do aprendizado" e da "conscienciosidade" (disciplina, foco e responsabilidade), que o Instituto está medindo, com base em recomendações de um economista e quantificando os resultados em percentuais de aprendizagem! É claro que ela nada diz sobre a correlação entre dedicação e foco e origem social, aparentemente não estudada, mostrando a fragilidade científica da pesquisa em questão, que quantifica o rendimento de modo duvidoso, considerado 1/3 superior nos "conscienciosos".
A entrevistada trata a disciplina como "habilidade maleável", a ser trabalhada pelos professores, que devem ser "treinados" para isso, o que ela alega estar sendo feito no Rio de Janeiro. Diz que os professores precisam não desistir das crianças, que eles "escolhem" os alunos aos quais se dedicarão "abandonando" os demais e que, se soubessem da maleabilidade de características como a disciplina poderiam investir em 100% deles. Diz ainda que: "Você tem de colocar para o professor que a meta dele é ter 100% de sucesso. Aí ele aprende a ter responsabilidade e não arrumar desculpa, dizendo que o aluno é pobre ou que a família é desestruturada. Se você ensinar, o aluno aprende."
Aparentemente, segundo a entrevistada, o professor precisa ser tratado como um aluno ou filho desobediente, que precisa ser treinado para ter responsabilidade, deixando claro que, para ela, os professores são irresponsáveis! Incentivada, mais uma vez, pelo jornalista, afirma que a reação dos sindicatos às intervenções é corporativista, mas que já “melhorou” e diz que a eficiência é uma questão ética e que é preciso evoluir muito. Afirma que a avaliação é uma coisa básica para sabermos se estamos acertando ou errando. Junta, nesta frase, questões díspares criando confusão entre avaliação e avaliação em larga escala, por desconhecimento ou desrespeito aos estudos que mostram a necessidade de critérios para a primeira, inviáveis de serem atendidos pela segunda.
Finaliza dizendo, respondendo mais uma vez a uma questão que induz a resposta, que, depois dos conhecimentos de economia e de gestão que estão sendo levados à educação o próximo passo seria a neurociência. “O Instituto já até contratou um especialista”, esclarece.
O conjunto de perguntas e respostas parece, ao leitor mais informado, uma recuperação da velha e ultrapassada psicologia behaviorista, que, após ser superada por estudos que demonstraram a impertinência de sua utilização em Educação, volta com força, travestida de nova ciência, com base em supostas pesquisas, economicamente interessadas e pouco confiáveis.
Viviane Senna finaliza a entrevista com duas pérolas: 1) “Estamos estudando o papel da repetição na automatização da leitura e o papel do sono na consolidação do conhecimento. Queremos entender como o cérebro aprende.”, evidenciando, pelo uso da generalização imprópria, completa ignorância dos fatores sociais, culturais e ambientais que interferem em todos os processos de aprendizagem, além de forte tendência ao reducionismo. 2) “A educação trabalha com achismos, enquanto temos uma quantidade imensa de ciência à disposição. ”. A frase desqualifica décadas de pesquisas e estudos da área, desrespeitando centenas, talvez milhares, de professores e pesquisadores que vêm dedicando suas vidas, com seriedade e determinação, à construção da escola pública e de qualidade para todos, no Brasil!
Questionamos, por meio desta carta, o uso de uma entrevista pobre, direcionada e sem nenhuma informação científica para desqualificar toda uma área que vem produzindo e divulgando conhecimentos no país há décadas e que tem inúmeras contribuições científicas oferecidas à sociedade e à educação brasileiras, ao conhecimento de métodos e processos de ensino aprendizagem, de formação e atuação docentes, com incontáveis levantamentos e análises de questões ligadas à disciplina, capacidades cognitivas, trajetórias de sucesso e de fracasso escolar, entre outros temas relevantes.
Entendemos que achismo é condenar uma área de estudos e suas pesquisas por desconhecimento da sua produção! Essas pesquisas estão amplamente divulgadas nas revistas científicas disponibilizadas no Scielo e Portal de Periódicos da CAPES, além dos relatórios disponíveis nas agências de fomento de pesquisa e nos sites das entidades de estudos e pesquisas em educação.
Assinam esta carta:
Professora Maria Margarida Machado (Presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e pesquisa em Educação - ANPEd)
Professora Ivany Pino (Presidente do Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES)
Professora Iria Brzezinski (Presidente da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação - ANFOPE)
Professora Andrea do Rocio Caldas (Presidente do Fórum Nacional de Diretores de Faculdades de Educação - FORUMDIR)
Professora Inês Barbosa de Oliveira (Presidente da Associação Brasileira de Currículo - ABdC)
Professor João Oliveira (Presidente da Associação Nacional de Profissionais de Administração Educacional – ANPAE)
* As entidades enviaram esta carta ao jornal Folha de São Paulo solicitando "direito de resposta", como forma de contrapor os argumentos da entrevista, porém não obteve retorno até o momento desta postagem.
Clique aqui e leia também texto do professor Luíz Carlos Freitas analisando a entrevista em questão.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

“Pátria Educadora? Lema de quem para quem?” | Vídeos GRATUITOS


Parte da Manhã
Brasil, pátria educadora: lema de quem, para quem?
http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/watch_video.php?v=7Y42S6HDNOG9

Expositores

  • Profa. Dra. Helena Costa Lopes de Freitas 
  • Prof. Dr. Idevaldo da Silva Bodião 
  • Prof. Dr. João Ferreira de Oliveira 
  • Prof. Dr. José Claudinei Lombardi 
  • Profa. Dra. Nilda Guimarães Alves 
  • Prof. Dr. Sérgio Stocco 


Parte da Tarde
Pátria Educadora: Análise e encaminhamentos possíveis
http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/watch_video.php?v=4WW9WN3O96MW


No dia 18 de maio de 2015, a Faculdade de Educação da Unicamp promoveu o evento “Pátria Educadora? Lema de quem para quem?”, com o objetivo de debater o documento “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”, de autoria do ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, Roberto Mangabeira Unger. O documento, ainda em formato preliminar, propõe diretrizes e ações para construir um projeto de qualificação da educação básica. Ele foi divulgado em 22 de abril e encaminhado para a avaliação de universidades e outras instituições da área da educação.


O evento reuniu presencialmente cerca de 60 participantes, entre docentes da FE e de outras universidades, alunos e representantes de associações e sociedades científicas de educação. Também participaram do debate por meio de videoconferência 12 universidades e institutos. Outros 140 grupos acompanharam as discussões ao vivo pela internet.

terça-feira, 2 de junho de 2015

A importância de Paulo Freire, por Lisete Arelaro

A atualidade do pensamento pedagógico transformador do educador brasileiro mais conhecido do mundo


Publicado em: Carta Capital | edição 68 | maio de 2015 
http://www.cartafundamental.com.br/single/show/407/a-importancia-de-paulo-freire


A atualidade do pensamento de Paulo Freire vem sendo atestada pela multiplicidade de experiências que se desenvolvem tomando o seu pensamento como referência, em diferentes áreas do conhecimento e em diferentes países do mundo. 
 
Intelectual chamado de “educador popular” é o professor brasileiro mais conhecido no mundo. Foi criador de uma teoria epistemológica de aprendizagem que grande parte das publicações denomina de Método Paulo Freire, e é também o cidadão brasileiro mais condecorado do País. Foram 39 títulos de Doutor Honoris Causa – 34 em vida e cinco in memoriam – e mais de 150 títulos honoríficos e/ou medalhas. Em 2012, foi declarado Patrono da Educação Brasileira, por meio da Lei Federal nº 12.612, de 13/4/2012.
 
Paulo Freire escreveu mais de 20 livros como único autor e 13 em coautoria. Seu livro mais importante, Pedagogia do Oprimido, foi traduzido em mais de 20 idiomas e, somente em inglês, já foram publicados mais de 500 mil exemplares. Seu livro Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática Educativa vendeu mais de 1 milhão de exemplares. Seus livros são comercializados em 80 países, podendo-se afirmar, em razão disso, que ele é o educador brasileiro mais lido no mundo.
 
Tal projeção confere ao conjunto de suas produções o caráter de uma obra universal, que vem sendo destacada na literatura, nos depoimentos de importantes autores, em diferentes países, e no crescente número de pesquisas que se referenciam na matriz de pensamento de Paulo Freire.
 
Michael W. Apple, professor da Universidade de Wisconsin – Madison, um dos mais conhecidos especialistas internacionais na área do currículo e na análise das políticas educacionais e um dos principais difusores do pensamento freireano nos Estados Unidos, destaca que as numerosas obras de Freire serviram de referência a várias gerações de trabalho educacional crítico. 
 
Para António Nóvoa, professor da Universidade de Lisboa, Portugal, autor de diversas obras científicas no domínio da Educação, a vida e a obra de Freire constituem uma referência obrigatória para várias gerações de educadores. As propostas por ele lançadas foram sendo apropriadas por grupos distintos, que as relocalizaram em vários contextos sociais e políticos. “A partir de uma concepção educativa própria, que cruza a teoria social, o compromisso moral e a participação política, Paulo Freire é, ele próprio, um patrimônio incontornável da reflexão pedagógica atual. Sua obra funciona como uma espécie de consciência crítica, que nos põe em guarda contra a despolitização do pensamento educativo e da reflexão pedagógica.”
 
Na área acadêmica, a última década revela grande interesse e ampliação de trabalhos sobre e a partir do pensamento freireano. Em recente pesquisa realizada no Portal da Capes (SAUL e SILVA, 2008) constatou-se, no período 1987-2007, um total de 804 produções – dissertações e teses – defendidas, que utilizaram o referencial freireano em diferentes áreas do conhecimento. 
 
No entanto, é importante destacar alguns aspectos de sua teoria epistemológica, para que os que nunca leram Paulo Freire se sintam motivados a fazê-lo. Dentre tantos aspectos, destacamos de sua teoria: a crítica à educação bancária; a educação crítica como prática da liberdade; a defesa da educação como ato dialógico; a necessidade de o professor ser pesquisador e ter rigor científico nas suas aulas; a problematização e a interdisciplinaridade no ato educativo e a noção de ciência aberta às necessidades populares. 
 
Freire apresenta, em amplo acervo teórico, reflexões que apontam para a importância de uma educação que parta das necessidades populares como prática de liberdade e de emancipação das pessoas, e não de categorias abstratas. Para ele, a educação requer, de forma permanente: a) O cultivo da curiosidade; b) As práticas horizontais mediadas pelo diálogo; c) Os atos de leitura do mundo; d) A problematização desse mundo; e) A ampliação do conhecimento que cada um detém sobre o mundo problematizado; f) A interligação dos conteúdos apreendidos; g) O compartilhamento do mundo conhecido a partir do processo de construção e reconstrução do conhecimento.
Suas obras são críticas, mas cheias de esperança porque o homem e a mulher, como seres inconclusos, sempre podem aprender mais e mudar a sua realidade e a do mundo. Não há destino. Ninguém aprende sozinho, aprende-se em comunhão. E isso se faz nas práxis da ação, reflexão e ação. Por isso, ele nos lembrava: “O mundo não é, ele está sendo”.
 
É importante registrar, também, a ampliação do número, na última década, de Institutos e Cátedras Paulo Freire em vários países do mundo, entre os quais estão Portugal, Espanha, Itália, Peru, México, Colômbia, Estados Unidos e Brasil. Essas instituições, sediadas ou não em espaços acadêmicos, têm realizado eventos de caráter internacional para o aprofundamento e divulgação do pensamento freireano.
Será que todos esses professores, intelectuais e movimentos sociais são comunistas? 
 

* Lisete Arelaro é professora titular do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP